18.11.12

De mudança

Queridos, o ***Soneto*** mudou para http://soneto.wordpress.com

Espero todos lá, com posts novos e, também, tudo o que já foi publicado aqui no blogger.

Beijos,
Flavia

Porvir

E, no dia em que jeito não houver, que eu pocar de tanto amor, rebentar num bucho enorme, deitar nesse taco sintecado e rir, rir, rir, bolir com aquela pardacenta lembrança tua, debochar dos teus dias de banzo, tripudiar do teu ridículo, achar tudo uma tolice enorme, que a vida é agora, desse jeito, nesse dia, meu querido, nesse glorioso dia, você, você, você... nem sei o que eu faço de você - pra ser bem honesta.

29.10.12

Escaras

Diga-se, de antemão, que aprendera bem cedo que só há dois tipos de gente nesse mundo: os que saem na chuva e os que fingem ser de açúcar. Quem lhe ensinou isso, com amor incondicional e obrigação de forjá-la para a vida, também deixou claro, todos os pingos nos is, qual o melhor caminho a tomar. Molhe-se, minha querida. Encharque-se. Não seja mulher de refugar.

Refugar, essa deformação dos ignóbeis.

Vida que seguiu, nunca deu dois passos pra trás. Nunca. Peito aberto, vísceras quase à mostra, tomou na cara bronca, vento, cornos, frio, e também um tanto de alegria, céu azul, desbragada paixão.

Até que, tarde estranha em que o sol entrava no quarto de esguelha, viu-se estropiada de tanta estragação, cansada da peleja, sentindo as escaras dolorosas nas entranhas. Não podendo mais, garrou-se ao hábito de medir o risco. Ah, o Diabo e suas muitas formas.

A princípio, mal podia respirar. Por onde andava seu rosto, seus intestinos, seu músculo propulsor? De pouco em pouco, abrandou o espírito. Aquilo devia ser a tal da maturidade, ou pelo menos era o que ouvira cantar uma cotovia, essa enganadora contumaz, Deus sabe onde.

Deu de alternar banhos de chuva grossa, daquelas que afogam o jeans e as roupas de baixo, com dias em que fazia o táxi parar à beira das escadas de mármore de seu velho prédio. Já nem era tão mocinha, veja bem. E, olhos lavados por trás de dioptrias cavalgantes, viu-se vivendo assombrada pelo medo dos outros, sublimou o desejo bobo em nome da camaradagem e do espírito de corpo, driblou o inconveniente deboche de demônios renitentes, encheu o peito de calor ao provocar o sorriso de um encantado a 35000 pés. Como tudo ainda era lindo, ainda que doesse menos!

Sim, as cores estavam lá; não havia modo de não vê-las. Era o caso de engoli-las para que, pegadas às mucosas, nunca mais lhe escapassem. E assim o fez, terapeuticamente. Se há risco de desbotar-se, tampouco sabe: só lhe restou viver.

A mulher amada


A cada metro de estrada vencido, caminhando a passos largos, maior é a certeza de que irá voltar. E, no dia da volta, ela estará à sua espera, no rosto aqueles olhos que são, ao mesmo tempo, candura e perdão. Sorrirá o mais branco dos sorrisos, pleno de calor e repreensão maternal, e o tomará nos braços como tomaria a uma criança que, assustada e temerosa de um carão, horas antes se perdera pelas ruas da cidade. Em seu colo, ele se aninhará e não quererá partir nunca mais. Molhará as vestes da mulher amada com lágrimas sentidas, que são todo o amor que guardou consigo enquanto dormia em camas alheias. Ela beijará seus olhos e passará os dedos por seus cabelos, e com a voz quente dirá que será sempre sua, como já era no primeiro dia, como jamais poderia deixar de ser. Sentindo o corpo estremecer, ele será tomado pela indizível sensação de estar de volta ao lar, e seu lar é aquela mulher cujo corpo é a mais sólida das construções: pés que se plantam na terra como vigas de aço, braços delgados e firmes de árvore antiga, o farto ventre que recende a tudo que é seu.

5.6.11

Classe Média ou O Império do “Eu Primeiro”

Certo dia minha mãe me narrou, com assombro, um fato que presenciara. Enquanto conversava com uma amiga sobre amenidades, tocou no nome do Gilberto Gil. O filho da amiga, que devia ter uns dez anos, perguntou quem era aquele de quem elas estavam falando, deixando a mãe num misto de constrangimento e surpresa: “Como você não sabe quem é Gilberto Gil, fulano?” Minha mãe não se surpreendeu pelo menino não conhecer o Gil. O que a deixou chocada, mesmo, foi o fato de uma mãe cuja maior preocuação sempre foi entupir o filho de todo tipo de parafernália tecnológica, mas que nunca dedicava uma ínfima parcela do dia pra conversar com o garoto, achar “anormal” ele desconhecer Gilberto Gil. Vai ver ela pensava que criança desenvolvia interesses e conhecimento sem sofrer qualquer tipo de sensibilização para isso. Enquanto a mãe parecia alienada em relação a fatos banais da educação da criança, o pai, por sua vez, sempre legitimou qualquer bobagem que o filho fizesse, mantendo um sarcasmo embutido no tom que usava para conversar com quem quer que fosse, como se no fundo sempre quisesse dizer: “Qual é, amigo: no final das contas, cada um de nós tem de cuidar do seu próprio interesse; os outros que se danem com seus problemas”. Passaram-se alguns anos, e o filho, apesar de inteligente, tornou-se um jovem algo pedante e alheio a qualquer pessoa ou situação que não lhe desperte interesse pessoal objetivo. A classe média produziu mais um monstrinho.

Sabe, pode parecer besteira, mas a classe média me intriga. Hoje, pelo jornal, soube que o papo que rola nas rodas desse estrato social (ao qual, supostamente, pertenço) é sobre a dificuldade de se conseguir bons empregados domésticos, principalmente babás. Na matéria, uma mãe se vangloriava de ter dormido todas as noites desde que voltara da maternidade, tão boa é a profissional que conseguiu contratar para cuidar dos seus gêmeos. Nem mesmo quando eles estão doentes ela precisa se dar ao trabalho, vejam só que maravilha. Eu fiquei meio confusa, mas claro que faz todo sentido: da mesma forma que há quem procure amigos e amantes exclusivamente nos momentos em que eles se apresentam como boas companhias, por que seria diferente com os filhos? Quando os pais sonharam com eles, não eram saudáveis, sorridentes e fofinhos? Então contratemos alguém para aturá-los quando têm ranho, choro, remela, febre e pus na garganta. Faz todo sentido, mesmo. Da mesma forma, também podemos, depois de uma inseminação artificial, abortar um dos três embriões que se desenvolveram no útero, já que idealizamos o retrato de família com duas crianças. Todo sentido.

Ah, classe média. Adoro esse seu jeitinho Joseph Menguele de ser.