5.6.11

Classe Média ou O Império do “Eu Primeiro”

Certo dia minha mãe me narrou, com assombro, um fato que presenciara. Enquanto conversava com uma amiga sobre amenidades, tocou no nome do Gilberto Gil. O filho da amiga, que devia ter uns dez anos, perguntou quem era aquele de quem elas estavam falando, deixando a mãe num misto de constrangimento e surpresa: “Como você não sabe quem é Gilberto Gil, fulano?” Minha mãe não se surpreendeu pelo menino não conhecer o Gil. O que a deixou chocada, mesmo, foi o fato de uma mãe cuja maior preocuação sempre foi entupir o filho de todo tipo de parafernália tecnológica, mas que nunca dedicava uma ínfima parcela do dia pra conversar com o garoto, achar “anormal” ele desconhecer Gilberto Gil. Vai ver ela pensava que criança desenvolvia interesses e conhecimento sem sofrer qualquer tipo de sensibilização para isso. Enquanto a mãe parecia alienada em relação a fatos banais da educação da criança, o pai, por sua vez, sempre legitimou qualquer bobagem que o filho fizesse, mantendo um sarcasmo embutido no tom que usava para conversar com quem quer que fosse, como se no fundo sempre quisesse dizer: “Qual é, amigo: no final das contas, cada um de nós tem de cuidar do seu próprio interesse; os outros que se danem com seus problemas”. Passaram-se alguns anos, e o filho, apesar de inteligente, tornou-se um jovem algo pedante e alheio a qualquer pessoa ou situação que não lhe desperte interesse pessoal objetivo. A classe média produziu mais um monstrinho.

Sabe, pode parecer besteira, mas a classe média me intriga. Hoje, pelo jornal, soube que o papo que rola nas rodas desse estrato social (ao qual, supostamente, pertenço) é sobre a dificuldade de se conseguir bons empregados domésticos, principalmente babás. Na matéria, uma mãe se vangloriava de ter dormido todas as noites desde que voltara da maternidade, tão boa é a profissional que conseguiu contratar para cuidar dos seus gêmeos. Nem mesmo quando eles estão doentes ela precisa se dar ao trabalho, vejam só que maravilha. Eu fiquei meio confusa, mas claro que faz todo sentido: da mesma forma que há quem procure amigos e amantes exclusivamente nos momentos em que eles se apresentam como boas companhias, por que seria diferente com os filhos? Quando os pais sonharam com eles, não eram saudáveis, sorridentes e fofinhos? Então contratemos alguém para aturá-los quando têm ranho, choro, remela, febre e pus na garganta. Faz todo sentido, mesmo. Da mesma forma, também podemos, depois de uma inseminação artificial, abortar um dos três embriões que se desenvolveram no útero, já que idealizamos o retrato de família com duas crianças. Todo sentido.

Ah, classe média. Adoro esse seu jeitinho Joseph Menguele de ser.