29.6.06

Meu pai, esse homem

Dilemas freudianos à parte, esse post é sobre o meu pai.

De uns tempos pra cá, há quem me dê a impressão de que uma moça amar o próprio pai, e dizer isso aos quatro ventos, é algo meio esquisito. Não entendo. Peço licença, pois, para dizer o quanto gosto do meu, tão lindo e tão doce, na semana em que completou 51 aninhos.

Ele queria muito uma menina. Quando nasci, ficou quase louco de felicidade: subiu a rua da minha vó chorando tanto que ela até se assustou. Engraçado: tanto homem sonhando com um garotão pra levar domingo ao Maracanã, e logo ele, mal-encerrada a carreira no futebol profissional, preferia uma menina. Não sei se imaginava caminho tão diverso; saí tricolor (ele é botafoguense) e inábil até pra jogar peteca.

Embora sejamos muito, mas muito diferentes, a nossa cumplicidade começou a ser construída bem cedo. De manhã, minha mãe no trabalho, ele em casa, ficávamos sós, os dois. Era uma farra. Ele colocava Simon e Garfunkel, black music e MPB sempre no volume máximo – e eu adorava. Organizado, arrumava a comidinha, escovava meus dentes, vestia meu uniforme, penteava e prendia meus cabelos curtinhos do jeito que eu queria, e lá estava comigo, pontualmente às 12:15, esperando o ônibus da escola na esquina. Dia de natação era mais confuso, porém engraçado. Mães prestimosas, com pena daquele pobre rapaz que era obrigado a entrar no vestiário infantil pra cuidar da filha (?!), se ofereciam pra me dar banho. Educadamente, ele declinava. Depois perguntam por que tantos homens são machistas...

Os anos foram passando, a rotina mudou radicalmente sei lá quantas vezes, mas o nosso elo não se desfez. Claro que a relação passou por crises, algumas bem feias, e não foram poucas as vezes em que pensei na possibilidade de sumir, desaparecer, nunca mais falar com ele, essas coisas. Trocamos farpas, discutimos aos berros. Magoada, cheguei a dizer que ele me decepcionou. Bobagem. Só tinha percebido que pai não é super-homem, e também pode ter fraquezas, ser egoísta, cometer erros. Quanto melhor.

Nunca vi problemas em falar do meu pai, até que a descrição do meu lanchinho do colégio (sanduichinhos de biscoitinhos salgadinhos Piraquê, aqueles quadradinhos, minuciosamente recheados com manteiga ou requeijão) causou forte comoção numa alma desconcertada. Fui seriamente aconselhada a não falar tais coisas para um homem com quem pretendesse ter filhos, porque ele ficaria apreensivo por saber que dificilmente seria um pai como o meu. Será que eu tinha extrapolado? Claro que não. Cada um tem lá seu jeito de ser pai. Tem aqueles que pouco vêem os filhos, mas conseguem conquistá-los a cada encontro; tem os brincalhões, que se embolam com as crianças como se fossem uma delas; tem os excessivamente sisudos, mas precisos nos momentos críticos. Enfim, o problema ronda a cabeça dos outros. Esse pique, definitivamente, não está comigo.

Claro que existem pais e pais, assim como nem todas as mães são anjos de candura. Mas, vem cá, o que há de errado em amá-los incondicionalmente? Não falo de orgulho na linha “Tradição, Família e Propriedade”, e sequer me refiro a uma figura fantasticamente idealizada. Falo de amor. Só isso. Ou tudo isso.

24.6.06

As voltas que o mundo dá...

Essa semana, recebi uma proposta de emprego que, bem comparando, foi algo como jogar um fio desencapado para içar alguém que caiu num poço. Teria de me mudar de mala e cuia do Rio para o último lugar na esfera terrestre onde deveria pensar em viver para trabalhar em algo que não amo e ganhar um salário mediano.

Vocês devem estar se perguntando: ok, se era tão ruim, por que falar disso agora? Simples: porque eu sou uma kamikaze emocional. Não posso ver o abismo ali, pertinho, pertinho, que a tentação de me jogar cresce e por pouco não me engole. Além disso, minha alma nômade faz borboletas esvoaçarem pelo abdômen toda vez que ouço a palavra "mudança". Quanto maior a distância, maior o número de borboletas.

Como nem eram tantos os quilômetros assim que separariam a vida nova da velha vida, e como essa nova vida correria o sério risco de ser bem velha nos aspectos mais modorrentos, resolvi declinar. Acho que esse foi o maior serviço que já prestei à minha sanidade física, mental, espiritual e, last but not least, profissional. Cá estou, quietinha.

Só um detalhe: gente cismada como eu, que não consegue ver a vida como um conjunto de acontecimentos aleatórios que nenhuma harmonia guardam entre si, não é capaz de passar por cima de um acontecimento desses sem alguma reflexão. O primeiro movimento é acreditar que o destino está soprando naquela direção, e o certo é simplesmente abandonar-se ao sabor das marés. Mas tudo muda quando, bem calcados os dois pés no chão, damos-nos conta de que está em xeque algo tão frágil, mas tão definitivamente imprescindível, quanto a mínima felicidade necessária para sobreviver. Talvez seja uma força maior pondo a prova nossa capacidade de resistir à mudança efêmera e de buscar a paz e a realização verdadeiras. Talvez seja o momento de fazer a escolha irreversível pela vocação para a alegria de viver. Maktub.

(P.S.: admirador secreto... isso não é coisa que se faça com a minha curiosidade infantil!)

19.6.06

Hoje já é amanhã

Lá vou eu cair em lugar-comum, mas azeite: tem situações na vida que fazem a gente mudar mesmo, e sempre acontecem tão rápido, mas tão rápido, que quando reparamos, já foi, já era, acordamos diferentes.

Pessoas queridas andam precisando de mim, e estou sendo prestimosa. Nos últimos quinze dias já fiz mais panelas de arroz (sempre soltinho) do que em toda a minha vida, organizei horários, pus adolescente pra estudar e dormir, preparei lanche, almoço e jantar, ajudei doente a se calçar e se vestir, etc. Virei temporariamente uma faz-tudo, mas nada que me mate ou me tire do prumo. Se ando preguiçosa pra algumas coisas, como sentar e estudar, tem algumas outras, sempre complicadas pra mim, que estou tocando com uma tranqüilidade incrível. É aquela velha história: uns probleminhas reais na hora certa servem pra dar o estalo de que pode se estar valorizando frivolidades.

Besteira o que escrevi. Nada a ver com frivolidade.

Encarar certos acontecimentos de modo natural não quer dizer que eles sejam tolices. É só uma maneira mais saudável de partir pra recuperação, não ser sucumbido pela tristeza, desfrutar o momento, ou simplesmente viver mais feliz. Fútil não é o fato, mas sim a dimensão que damos a ele... a tentação de encarnar personagem de samba canção é grande, e como.

Meia-noite e meia de segunda-feira. Hoje já é amanhã, e amanhã é o dia internacional da nova vida, do começar de novo, das promessas renovadas. Eu tenho cá uma bolsinha cheia delas...

18.6.06

Do afastamento, da perda, do amor, eu mesma.

No dia em que nasci, mataram uma secretária da OAB num atentado terrorista. Chovia muito no Rio de Janeiro, o trânsito complicou e nosso Fusquinha ficou preso no Rebouças. Quase que atrasa a cesariana. Um ano e pouco antes, noutro dia de chuva e engarrafamento, teve gente que não conseguiu chegar a tempo no casamento dos meus pais. No final das contas, deu tudo certo.

Daí que acredito em destino. Acho que já chegamos aqui com tudo mais ou menos acertado, a historinha pronta, e um pouco – só um pouco – de livre arbítrio. E é por isso que não tenho muito medo de me jogar, de pisar na bola, de voltar atrás, de errar o mesmo erro mil vezes.

Com sete anos tive os primeiros baques afetivos, do afastamento e da perda, e deu-se que cresci em algumas cidades, sempre muito sabida e um bocado melancólica. Às vezes, justifico todo o meu desembaraço de morar só porque vivo assim desde cedo, filha única, sem parentes por perto, pais saindo bem cedo e chegando bem tarde. No tempo enorme que tive comigo mesma, aprendi algumas coisas valiosas, como ouvir música boa e ler de tudo que entrava pela porta de casa, e outras, péssimas: ver mais televisão do que devia, fazer experiências com velas e fósforos quando faltava luz, passar horas e horas no mais perfeito ócio e pensar demais em mim.

A quem interessar possa, tirando a pirotecnia, todo o resto permanece.

Embora haja controvérsias, eu já tive 15, 18 e 20 anos. Vivi os três momentos lá do meu jeito, meio atrapalhado, um pouco perturbado, mas vivi sim, e de teimosa que sou, fui feliz. Claro que faltou uma ou outra coisa; nada que seja irremediável.

Já desejei mal a quem me feriu, já amei tanto que quase explodi, já freqüentei academia regularmente, já despertei paixões de onde menos se imagina, já fui muito e nada religiosa e, até onde me lembro, já contei algumas mentiras. (Algumas? Mentira.)

Virginiana tranca-rua, ascendente criticamente em Capricórnio, é a minha lua em Peixes que segura a barra e me permite um relacionamento mais doce com aquilo que não é palpável. Confesso que a cada dia que passa gosto mais dessa lua, e a cada dia que passa gosto mais de ser exatamente assim: eu mesma.