10.12.07

Pra não chorar...

Era antevéspera do meu aniversário.

Havia menos de 2 anos que eu tinha voltado pro Rio com a minha família, depois de quatro anos e meio entre Maceió e Curitiba. A temporada fora me proporcionou uma infância saudável, sem preocupações com violência urbana, e a oportunidade de viver coisas tão simples e deliciosas como pular amarelinha e elástico na rua, andar descalça e correr de bicicleta.

Mas eu tinha voltado pro Rio, ou melhor, pra Teresópolis, porque meus pais preferiram enfrentar 200 quilômetros de estrada por dia a me expor ao caos da segurança pública do Rio de Janeiro. Não conseguiam me imaginar pegando ônibus, tendo tênis roubado, essas coisas. Expostos a isso sempre estiveram meus parentes maternos, habitantes irremediáveis da Penha, Méier e Bonsucesso. Minha mãe foi criada num subúrbio carioca quase idílico; minha avó e suas irmãs mais novas, adolescentes bonitas e bem vestidas, faziam o "footing" nas tardes de domingo na Praça das Nações. Assim conheceram seus futuros maridos.

Algumas tragédias, infelizmente, são anunciadas. Na noite de 25 de agosto de 1994, o telefone tocou. Andréa, minha prima e afilhada da minha mãe, tinha sido novamente assaltada enquanto dirigia. Para nós, era algo quase corriqueiro. Já tínhamos perdido a conta dos roubos de carro a mão armada pelos quais a Andréa já tinha passado, e uma vez, dois anos antes, havia sido até pior: após tomar uma "fechada" na Av. Brasil, quando voltava da faculdade pra casa, os bandidos a colocaram no banco de trás e correram todo o subúrbio fazendo assaltos. Lembro dela contando a história pra minha mãe no telefone, e dizendo: "Eu não agüento mais viver aqui, quando eu me formar quero sair do Rio, quem sabe ir pra Maceió... posso morar com você, Dinda?"

Não deu tempo. O último assalto pegou minha prima no 5º período da faculdade de Administração. Foi à concessionária pegar o carro novo, um Prêmio novinho em folha, e ligou pra avó pedindo que não contasse a ninguém, porque meus tios pensavam que ela só o buscaria no sábado, e queria fazer surpresa. No caminho, passaria na faculdade, a Estácio de Sá do Rio Comprido, pra entregar um trabalho. Estava parada no sinal da Rua do Bispo com a Barão de Itapagipe quando alguém bateu com o cano de uma arma no vidro do ser lado. Assustada, tirou o pé da embreagem. O carro pulou, o assaltante pensou que ela fosse fugir e atirou. Por milímetros, a medula foi atingida.

Passei meu aniversário no hospital, junto com toda a família, mobilizada em torno daquele drama. Doze dias em coma, e a morte. Andréa tinha 23 anos, era linda, feliz e fazia muitos planos de futuro. Acabou. O enterro foi no dia do aniversário da minha mãe. Ela era apaixonada pela prima e afilhada, um amor tão grande que às vezes até me dava ciúmes. Arrisco dizer que, depois daquele dia, nunca mais foi a mesma.

Por uma infelicidade extrema, conheço o que a família do menino Hugo deve estar sentindo agora. Uma criança adorável, com a vida ceifada tão precocemente... não sei mais o que dizer.

E a cidade é linda. Talvez eu seja covarde e devesse lutar mais, mas cansei desse lugar. Mesmo. Quero ir embora, criar os filhos que terei sem medo de beijar-lhes a têmpera de manhã e vê-los estirados em alguma esquina à tarde. Não há quem mereça passar pelo que os meus tios e os pais do Hugo passaram.