7.2.10

O Homem Ordinário


Ele nem se dava conta. Quando refletia, tinha certeza de que era o Homem Extraordinário. Vá lá, não era especialmente belo, rico ou inteligente, mas tinha suas impermanências, suas voluntariedades, suas excentricidades. Não sou de permanecer numa mesma música, ou função, ou amor, por muito tempo, dizia. Como se isso fosse mais importante que toda a aventura de viver.

Ele não fazia idéia. E, na grande falácia que criara, foi vivendo, mudando, saltando de galho em galho. Numa dessas paragens, esbarrou na Mulher Extraordinária. Ela vinha bonita, interessante, charmosíssima e cheia de problemas. Sim, problemas: a Mulher Extraordinária e a Mulher Perfeita, embora muitos não saibam, são pessoas completamente distintas. Como não poderia deixar de ser, o Homem Extraordinário se encantou e quis aquela mulher para ele. Duvidando ser ele quem dizia ser, ela resistiu, contudo ele tanto fez que acabou por convencê-la.

Ele continuava sem saber; ela, aos poucos, ia começando a identificar as incongruências daquela história. Passada a vertigem de primeira hora que sempre causa a paixão, deu-se conta a Mulher Extraordinária de que vinha distribuindo sorrisos burocráticos em reuniões sociais, ouvindo piadas encardidas e atravessando finais de semana tediosos. Tendo absoluta certeza de quem era, só havia uma possível explicação para aquele descompasso: quem estava a seu lado, definitivamente, não era o Homem Extraordinário. Ato contínuo, deu as costas e sumiu. Surpreso, ele achou que quem ia embora era Mais Uma.

Ele segue sem perceber até hoje. Num novo esbarrão da vida, viu-se convicto de ter encontrado, finalmente, a Mulher Extraordinária. São medianamente felizes, na medida medíocre de sua corriqueira rotina, com doses controladas de sobressalto e contratempo. Talvez, ao encontrar a morte na velhice, ele perceba que, sendo por vocação o Homem Ordinário, encontrou aconchego nos braços da Mulher Ordinária. Mas o mais provável é que morra na ignorância.