31.12.09

Entre mortos e feridos


E este frívolo 2009 termina assim: um cachorro a menos no canil, um dia nublado que torna inútil a piscina tão limpinha, meu vinho tinto ao lado do pistache, umas cicatrizes velhas finalmente assimiladas, um número vergonhoso de quilos a mais nas ancas e um sorriso meio bobo de quem, finalmente, entendeu algumas coisas do mundo e da gente.


Volto em 2010. Certeza.

27.12.09

Suburbano coração


Se há algo de bom na velha tradição do subúrbio carioca, é o brio. Por lá, há um código moral bem forte, no qual as palavras “orgulho” e “humilhação” tem um peso muito maior do que no lado bacanérrimo do Rebouças. Coisa típica de uma gente humilde que, por não ter Cadillac e champanhota, preservava ciosamente o único bem que possuía: a honra. Sabe aquela história do fio do bigode de um homem valer mais do que um documento com firma reconhecida? Pois é.
Quem nasceu em família suburbana, por mais que tenha tido papais moderninhos, cartão de crédito aos dezesseis e viagens supimpas, guarda sempre em algum cantinho do seu espírito esses valores. Mas como a vida é arteira e finda por nos conduzir pra lugares e pessoas bem distantes da Praça das Nações, não raro esquecemos de nossa essência além-túnel. E é no esquecimento que surge a incontinência pública, a exposição. Escândalo, pra quem não sabe, é coisa que pelo Méier não passa, embora as novelas globais tentem provar o contrário o tempo inteiro - é que os teledramaturgos de lá não vêm; só sabem na base do “ouvi falar”. Se há esparrela fácil, fácil de se cair, é a de que gente humilde é chegada a gritaria e esculhambação. Nananinanão. A classe média baixa carioca, desde que o samba era samba canção, paga com sacrifício aulas de balé e piano pras meninas, tira foto em dia de festa, ensina que não pode “colocar a mão em nada” quando se está na casa dos outros, e também que nunca devemos “nos esganar” nas festas. Assim minha avó criou a minha mãe, e assim minha mãe me criou - com a diferença de que, na minha geração, podia perguntar o porquê das coisas e conversar de igual pra igual. Mudam os tempos, mas determinados conceitos são imutáveis.
E se dá que, um dia, inadvertidamente, sua formação suburbana vem à tona. Você, sempre tão modernosa e divertida, vê-se amarrando uma cara de ofendida daquelas, como se tivessem arrancado um pedaço do seu verniz de boa moça. Não adianta: alguém te enredou num escândalo, expôs sua boa vontade, mostrou algo de (seu) foro íntimo a gente demais. Isso te toca, irrita, aborrece, e a menina de laço de fita no passeio vespertino pela Dias da Cruz fala do estômago (é lá que ela vive) a queixa chorosa, a bronca ressentida. Claro que isso tudo pode acontecer num lapso de minuto; geralmente o tempo de você demonstrar ao ofensor que ele passou do limite. Estando provado por A mais B que você tem lá seus princípios, a menina suburbana sossega e para de espremer suco gástrico, caindo num sono sem pecado. Pronto: você parou de se envenenar. Depois da rebordosa, volta ao velho charme habitual, porque, afinal de contas, essa mulher que se tornou é a colcha de retalhos de uma vida bem rica. E ri, alto e gostoso, de mais uma pernada que a vida tentou te dar.

22.12.09

Pílulas VI

Depois de um longo inverno, a Abominável Mulher saiu da toca. Mas cadê você, pra rir largo e com gosto dos nossos códigos de família?

6.12.09

Ma vie en vert, blanc et rouge



Futebol, diz-se, é o esporte das paixões extremadas, da irracionalidade total, da ira, do amor, do ódio, ou de todos esses sentimentos juntos, embolados num misto de muita testosterona e nenhum raciocínio lógico. Eu concordo com tal visão até certo ponto, porque há nessa definição uma omissão séria: cada torcida, em todo canto do mundo, tem seu jeito próprio de demonstrar o amor e a devoção por seu time. Digo isso porque não acredito que o torcedor do Chelsea seja igual ao do Manchester, assim como um botafoguense nunca se parecerá com um flamenguista. O máximo que pode haver são similaridades entre torcedores de diferentes locais: Náutico, Fluminense e São Paulo são historicamente times de elite em seus estados, da mesma forma que Vasco e Palmeiras são clubes de imigrantes (portugueses e italianos, respectivamente) e Santos e Botafogo guardam um passado glorioso; não resta muito a deixar pra posteridade depois de ter em seu plantel Pelé e Garrincha.
É essa singularidade na forma de ser e amar que cria aquela incrível química nos estádios mundo afora. Quando ando pelo Maracanã no intervalo de um jogo, não é só aquela belíssima camisa grená que me identifica como parte de um grupo: compartilho com aquelas pessoas um modo todo especial e único de amar meu time. E, esse time, pra regozijo de minh’alma, é o Fluminense.
Ah, o Fluminense. Como eu poderia não ser tricolor? Ao contrário das crianças que são aliciadas por tios, pais e avós até “virarem a casaca”, eu não tenho memória de um dia sequer na vida ter torcido pra outro time. A família de minha mãe é toda tricolor; meu pai, botafoguense patológico e - por que não dizer? - por muito tempo patético, nunca tentou converter a filha única à religião da Estrela Solitária. Embora ele diga que o fato de eu ser uma menina me “liberou” dessa obrigação penosa, eu tenho cá pra mim que isso foi antes um ato de amor: nos anos 80, torcer para o Botafogo era um sofrimento que nenhuma criança merecia - e ele sabia disso. Se um dia, emprenhado pelos ouvidos e pelos passes de Garrincha, meu pai trocou o Vasco pelo Botafogo, agora amargava sozinho e sem sucessores longos anos de limbo.
Pobre do meu pai. Foram incontáveis os domingos em que ele partia, resignado, do reduto tricolor dos meus avós maternos para ver o Botafogo apanhar de novo em São Januário ou no Maracanã. Quando voltava cabisbaixo e arrasado de mais uma batalha inglória, encontrava uma urbe de impiedosos gozadores. Certa vez, quando abriu a porta, deparou-se comigo gritando “Vascoooo!!!”, vestida com uma camiseta improvisada. O Botafogo havia perdido mais um campeonato, a família ria desbragadamente e eu, aos quatro anos, aprendia o significado da palavra crueldade. Embora meu pai não tenha me dado um time, foi com ele que aprendi a amar o futebol. Ex-jogador profissional e apaixonado pelo esporte, passou a paixão para mim por osmose. Assistir jogos ao seu lado é sempre um prazer, à exceção do “Clássico Vovô” - não sejamos hipócritas, guerra é guerra.
O caso é que sou tricolor, como tricolor é minha mãe e são meus tios, meus primos, meus avós e bisavós, alguns dos quais sócios remidos do Fluminense Football Club. Pra não deixar dúvidas desde o princípio, nasci numa tarde chuvosa na Rua das Laranjeiras, apenas algumas quadras separada da sede do Fluminense. Assim como a maior parte dos tricolores, não sou assídua freqüentadora de estádios, mas acompanho os jogos e o desempenho do time de longe, como um pai cioso de que o filho sabe em que direção a bola vai. Nos momentos decisivos, no entanto, lá estou eu, vestida com o sagrado manto verde, branco e grená, gritando, sorrindo, sofrendo, gemendo e chorando num vale de lágrimas - que pode ser o Maracanã ou o sofá da minha casa. Toda alegria e o sofrimento, evidentemente, são vividos à moda tricolor: somos, por natureza, comedidos, delicados, discretos e levemente arrogantes. Tricolores são, sim, torcedores de punhos de renda. Não é à toa que uma de nossas principais torcidas organizadas entra nos estádios entoando o refrão “Tá chegando a playboyzada”. O Fluminense é e sempre será um time declaradamente de elite, e não tem a menor pretensão de ter o apelo popular de um Flamengo ou de um Corinthians. Somos o que somos, e nos bastamos com nosso mascote engomadinho.
Ser tricolor tem, portanto, um sabor especial. É saber que a sua torcida é a mais bonita do Brasil e que o escrete das arquibancadas faz de você um torcedor dos mais bem acompanhados. Antônio Carlos Jobim, Arthur da Távola, Cartola, Mário Lago, Chico Buarque... Todos ilustres tricolores que batiam ou batem um bolão em suas áreas profissionais. E nunca ouse nos chamar de “tricolores cariocas”: já disse um dos melhores de nós, Nelson Rodrigues, que tricolor é o Fluminense; o resto é time de três cores.
Na última quarta-feira, eu estava no Maracanã. Havia passado três dias pensando se deveria ou não ir ver a final da Copa Sul-Americana, depois do Fluminense apanhar de 5 a 1 da LDU na altitude desleal de Quito. No caminho do trabalho para casa, algo aconteceu. Comecei a ver o movimento ainda tímido dos tricolores andando pela Presidente Vargas em direção aos pontos dos ônibus que os levariam ao jogo. A agonia foi crescendo. Pra um grupo que passou, perguntei se ainda havia ingressos; responderam-me que não. Emburrei e logo pensei: “É, vou comprar no cambista e morrer numa bela grana, mas não posso deixar de ir”. O medo é que algo incrível acontecesse naquele jogo e eu, por mero capricho do destino, não estivesse lá para ver e contar aos meus netos (que, evidentemente, serão tricolores). Quando passamos da Praça da Bandeira, o que vi foi um incrível mar de gente nas três cores que traduzem tradição. Nesse momento, eu já nem dava por mim. Saltei na estátua do Bellini e caminhei, trêmula, em direção à bilheteria, como se fosse a única atitude digna a tomar. Ouvindo toda aquela gente cantar “A bênção, João de Deus” e com a entrada na mão (cadeira azul foi tudo o que me coube no latifúndio do “maior do mundo”), era só passar em casa, tomar um banho e vestir a mais linda de todas as camisas.
Não, o Fluminense não ganhou o campeonato; os 3 a 0 que marcou contra a LDU não foram suficientes para tirar a diferença, após a goleada de Quito. Mas o que vi no Maracanã foi algo muito maior do que isso: uma torcida linda, luminosa, feliz e confiante, que conduziu à frente um time com uma enorme vontade de ser o melhor. Foram quase duas horas de coração acelerado, gritos apaixonados e emoção à flor da pele. Houve um momento em que a angústia me fez ter certeza de que, se sobrevivesse àquilo, deveria parar de ir a estádios quando chegasse à meia idade. Ao fim, sendo os tricolores que sempre fomos, aplaudimos de pé nosso time, que lutou pela vitória lindamente até o fim. É que, tal qual o mendigo de fraque e cartola, mesmo quando nossos punhos andam puídos, ainda andamos eretos, elegantes e empoados, como se estivéssemos a levar o rei na barriga. Nenhuma torcida torna-se conhecida como “pó de arroz” impunemente.
Toda essa montanha russa de emoções rendeu, para mim, uma noite mal-dormida e muita falta de ar, mas não é isso que as grandes paixões causam mundo afora? E essa é a minha vida em verde, branco e grená: lances arrebatadores, tradições familiares, fidelidade canina e, acima de tudo, o amor desmesurado e inconsequente que só o bendito esporte bretão causa nos corações de homens e mulheres como eu.


27.4.09

Além de Paris, em abril


Como sabe quem me conhece mais de perto, vivi no Rio até os 7 anos, quando me mudei para só voltar a morar aqui quando cheguei à universidade. Durante a longa ausência, guardava pela cidade um misto de carinho e medo. Nas minhas primeiras férias de meio de ano desde a mudança pra Maceió, arrombaram o carro do meu tio na Tijuca e levaram toda a minha bagagem. Para quem morava num lugar conhecido como “Paraíso das Águas”, minha reação foi típica: quis pegar o primeiro avião e voltar pra Praia da Jatiúca. Desfaçatez do destino, essa semana a capital alagoana foi cenário de um crime semelhante ao que vitimou fatalmente o menino João Hélio no subúrbio carioca. Vinte anos, meus caros, não são vinte dias.
Quando finalmente tornei a casa, precisei redescobrir o Rio. Queria sentir a cidade de dentro pra fora, e não de fora pra dentro. O idílio dos exilados não é bom conselheiro; vela a visão tanto quanto o preconceito dos xenófobos. E foi enredada pela liberdade da vida universitária que vivi meu novo-primeiro outono carioca, um outono assaz atípico, cheio de nuvens no céu, novos amigos e longas caminhadas entre os campi da UFF. Se houve uma nesga de céu azul em 1999, não vi.
Dez outonos depois, já tenho minha história particular da estação em que o Rio se torna uma cidade ainda mais bela do que já é o ano inteiro. O outono carioca, forasteiros, é algo. Ainda hoje, a sua chegada é quase sempre surpreendente pra mim. Após mais uma madrugada abafada em meio aos temporais assombrosos de março, o dia amanhece lindo e civilizadamente fresco. Você se dá conta de que pode tomar banho e se vestir para ir trabalhar com o ar condicionado desligado, o que é um luxo para quem acaba de sair do verão austral. O clima agradável e a irradiação solar suave permitem que se escolha o figurino que quiser, e aquele vestido de laise amarela pula da gaveta para as suas mãos. Os cabelos das mulheres podem ficar soltos (o suor não vai escorrer pescoço abaixo) e os homens parecem sensivelmente mais belos e leves no Centro nervoso da cidade: envergar um terno, com essa brisa, é outra história. Até o secular mau cheiro da Rua da Quitanda dá uma colher de chá aos nossos narizes.
Em meio a tanta beleza, o outono carioca deve ser uma época propícia ao amor. Cantou o gorducho Ed Motta, por volta de 2001: “Há um lugar para ser feliz/ Além de abril em Paris/ Outono no Rio”. Sobre a primavera parisiense, não tenho opinião a emitir - conheci a cidade num inverno de ventos cortantes que me causaram um baita crise de sinusite - mas esses três versos sempre provocaram em mim uma extrema simpatia. Meus amores de primavera foram paixões de inverno que, um dia, nasceram como despretensiosas inquietações de outono. Tempo de semeadura, nossa estação-vedete.
Neste momento, cai uma chuvinha lá fora. Apesar disso, tenho certeza de que amanhã de manhã, quando eu dobrar a esquina da praia, um pano de fundo incrivelmente azul estará emoldurando o Pão de Açúcar. Não há dia que possa começar mal, quando se vive numa cidade em feitio de espetáculo...

13.4.09

Brilho Eterno


Hoje vi na TV que cientistas descobriram um dos buracos negros da psique humana. Sim: é possível apagar memórias do nosso cérebro através de drogas, estímulos ou algo do gênero. Aquele namorado complicado, os anos de bullying no colégio, o chefe que te assediou moralmente... tudo deletado pra sempre do seu HD, sem deixar vestígios. O desagradável vício de fumar ou beber? Nunca mais. Adeus, lembranças amargas e hábitos nefastos.
Curioso é que essa notícia me pegou num dia especialmente nostálgico. Na casa do meus pais para o feriado da Páscoa, reencontrei numa bolsa de viagem embolorada as fotos de toda a minha vida - ou pelo menos de uma parte considerável dela. Flavia bebê de cabelos clarinhos com vovô e vovó; Flavia no apartamento de Laranjeiras aprendendo a dançar com o Dindo; Flavia banguela na festa de fim de ano da escola; Flavia com os primos brincando no chão da casa da tia-avó; Flavia com papai e mamãe na Cidade da Criança... E com os amigos em Maceió, em Teresópolis, no Rio, em todo o canto. Fato inconteste é que quase todas essas lembranças são muito felizes e luminosas, contudo salpicadas de tristezas que, lá e cá, tornam a vida agridoce - requinte de paladar que, cá pra nós, diz muito mais à minha língua do que o que é excessivamente açucarado.
Evidente que há coisas pelas quais eu preferia não ter passado. Já segurei barras pesadas demais pros meus 28 anos... fatos terríveis, dolorosos ou difíceis mas que, ao fim e ao cabo, fazem parte da minha história de uma forma indissociável. Fico imaginando se toda essa tecnologia da neurociência estivesse ao meu alcance amanhã de manhã quando eu acordasse. Algo como um vendedor no melhor estilo “Avon chama” batendo à porta do meu apartamento, portando uma engenhoca capaz de apagar lembranças ruins por preços módicos. A senhora escolhe, eu apago. E aí, como escolher? Aliás... devo escolher? O que sobraria de mim, depois de eliminar as experiências negativas?
Apesar dos tropeções (meus e dos outros) que bagunçaram meu coreto tantas vezes, acho que ser quem eu sou ainda me dá um profundo prazer. Sabe aquele verso do Caetano, “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”? Pois é... sou tão arraigada às minhas dores e delícias que jamais saberia viver sem elas. Há os que chamam isso de autoestima elevada. Melhor assim.

15.3.09

Três casamentos e um pouco de audácia



Hoje de manhã, terminei uma longa e onerosa temporada de cerimônias de casamento. É, meus caros amigos: aproximar-se dos 30 anos tem dessas coisas. As amigas da sua idade estão se casando - é irremediável. Daí a isso te levar a crer que deveria considerar seriamente a possibilidade é um pulo. Impossível olhar toda aquela felicidade transbordando e não pensar nem por um minutinho que gostaria de estar lá, de véu, grinalda, buquê e vestido branco, fazendo juras de amor eterno perante a lei dos homens e a lei de Deus.


O casamento de ontem, devo esclarecer, foi o mais significativo dos três que assisti nos últimos meses. A noiva era minha prima Camila, pessoa muito amada e cara pra mim. Nossa primeira foto juntas, como gostamos de brincar, foi ainda dentro dos barrigões de nossas mães, um apontando para o outro, num quase desafio de "quem tem o útero mais dilatado". Nasci em agosto; Camila, em outubro. Crescemos e nos tornamos duas pessoas muito diferentes, e justamente por isso sempre tive a certeza claríssima de que ela se casaria antes de mim. A grande questão, portanto, era: como eu vou me sentir, solteira comme il fault, no casamento da Mila? Serei contaminada a sério pelas susceptibilidades suburbanas da minha família a ponto de me considerar a "prima encalhada"? Vou me sentir uma velha solteirona quando não conseguir segurar as lágrimas? Oh, vida.


Madrinha que era, escolhi um belíssimo vestido e caprichei no cabelo e na maquiagem. Investimento feito com carinho e prazer; Camila merecia um belo altar. Cheguei à igreja sob uma chuva chata e logo engatei num papo animado com as outras madrinhas, amigas da minha prima que, durante o pré-casamento, acabaram se tornando minhas amigas também. De tempos em tempos, pedia a Tia Rosane pra me dizer a localização do seu filho, meu primo e par Daniel, atrasadésimo. Papo vai, igreja enchendo, papo vem, Daniel chega, olho pra entrada do jardim e vejo a noiva e o pai. Showtime.


Com o braço engastado ao do Dani, a ficha finalmente caiu. Carambola de Maracatu Atômico! Conversava com meu primo sobre as gracinhas do Mateus, filho dele; reclamava do estresse contínuo do meu trabalho... e a Camila, bonitona e grande, Arquiteta e Urbanista (como diz a tattoo que leva no pé), com o Tio Ronaldo, vindo logo atrás de nós. Somos gente adulta, por mais incrível que possa parecer. Uau.


Entrei na igreja explodindo de felicidade, agradeci ao destino pela Mila ter encontrado alguém tão bacana quanto o Paulo pra compartilhar a vida e simplesmente me desmanchei quando ela parou, no meio do caminho para o altar, para beijar e abraçar a minha avó, tão velhinha e feliz por ver a sobrinha-neta se casando. Família é ruim, mas é bom demais. Após a saída, os padrinhos formaram um corredor polonês para jogar arroz sobre os noivos. Olhei pra empolgação do meu primo planejando tacar um punhadinho do cereal dentro da boca da Camila e reconheci o garoto espírito de porco e carinhoso que conheço desde que nasci. Algumas coisas nunca mudam.


Durante a festa, ao pedir ao garçon que servisse água à Tia Eliete, ele me perguntou qual das senhoras do grupinho que eu havia indicado era a minha tia. Ri muito e respondi que tias eram todas, mas a de preto é que tinha sede. No meio de tantas pessoas amadas, sem uma gota de álcool no sangue e recebendo muitos elogios à minha toilette, eu me senti abusadamente feliz e vaidosa. Sabem do que mais? Meninas solteiras e bem resolvidas são admiradas, mesmo quando se aproximam dos 30, e tias, dos 40 aos 80, não te cobram casamento; elas querem é te ver feliz. Quando essa felicidade transborda de você pelo simples prazer de ser quem é e estar exatamente onde gostaria de estar, ninguém no ambiente fica imune a ela. Ainda bem.

4.2.09

Volare

Queimada de sol e contente. Olhando o mundo com um arzinho de flerte. Revivendo romance com o Rio.

E sonhando como será o passo número 2 dessa valsa da vida adulta...

25.1.09

Pílulas IV

O que eu quereria saber, caso fosse possível, é qual a parte que realmente me cabe nesse latifúndio...

18.1.09

Uma pequena porção de nada

Já corri muito atrás de ir embora definitivamente do Rio de Janeiro.

Como parte desse desejo tão antigo quanto a minha volta pra cá, na época da faculdade, fiz inúmeros concursos pra outros estados, tentei bolsas de estudo e avaliei propostas de emprego. Ao fim e ao cabo, nenhuma dessas tentativas resultou numa mudança efetiva. Quando muito geraram em mim uma positiva ansiedade, mas ficaram nisso.

Hoje, enquanto andava aqui pelo Largo do Machado, aporrinhada com a minha gripe e pensando se deveria ou não ver Vicky Cristina Barcelona na sessão das 4, me dei conta de que viver no Rio é bom, muito bom. Ah, é melhor ainda se você, assim como eu, prezar pelo conforto e não se importar em manter o ar condicionado ligado durante os dias mais quentes. Esse clima de balneário, principalmente no verão, deixa a cidade especialmente risonha. Gostoso entrar na Galeria São Luiz e almoçar um temaki fresquinho como o tempo pede, depois assistir a um filme e finalmente vir pra casa encontrar um bom romance na estante. Sim: existe felicidade nessa cidadezinha ao Sul do Equador.

O caso é que felicidade existe em outros cantos também. E uma felicidade sem as cobranças de memórias construídas ao longo dos anos, de lugares que remetem a pessoas que por vezes adoraríamos esquecer de vez. Embora eu tenha passado grande parte da minha vida fora do Rio, aqui vivem as mais fortes lembranças da tríade amigos-amores-família. Nômade que sou, essa avalanche de referências me sufoca a ponto de fazer sofrer. Quase impossível circular pela cidade sem lembrar de um bom momento que não volta mais, de alguém querido que morreu, de tudo de bom e de ruim que vivi aqui.

Se você leu isso e pensou que é assim mesmo, que o negócio é tocar pra frente, respondo que não sei. Com todo o carinho que tenho pelo estonteante cenário carioca, pra mim ele se parece com uma folha de papel de carta bem decorada, mas desgastada por contínuos esfregões de borracha. Uma hora a folha, de tão fininha, se rasga, e não há mais como remendá-la. É hora de fazer um novo começo, sem vícios, num papel novinho.

Sei que para muitos meu raciocínio deve se parecer com fuga da realidade, um ultraromantismo tolo. Talvez seja mesmo. Mas prefiro cultivar essa ilusão boa a achar que, onde quer que eu vá, carregarei um fardo grande e pesado de passados. Ah, e talvez nem seja tão ilusório pensar assim. Qual de nós não voltou melhor de uma viagem feita no momento em que a vida parecia mais complicada? Quem nunca ouviu uma história sobre pessoas que conseguiram se afastar de vez de parentes indesejáveis quando resolveram mudar de cidade?

Não sei até quando permanecerei no Rio, mas sei que hoje, mais do que nunca, ficar ou sair dependerá integralmente do meu empenho pessoal, com uma pequena ajudinha do acaso. O destino - sempre ele - tem me apontado, com pequenos incidentes, novos caminhos. O melhor desse momento da minha vida, sem dúvida, é a tranquilidade que adquiri pra esperar o tempo certo de semear e colher. Mas isso já é tema pra um outro post.