19.11.06

Expirando

Tenho umas raivas bobas, bobas
Raivas de mim
De sempre escolher o caminho mais longo
De ser teimosa de doer
Das pisadas na bola de inominável fealdade
Do orgulho e da soberba, vez por outra
Da minha presunção travestida de insegurança, ou insegurança travestida de presunção
Da vanidade de algumas noites em claro, com seus álcoois e tabacos
De perder a medida do amor e ser extravagante
Raiva de temer o futuro
E o presente
(O passado, nunca.)


Não saber organizar a vida
Não saber fazer dinheiro como deveria
Não dizer a coisa certa quando deveria
Falar demais
Silenciar agressivamente
Astigmatismo pra ler livros e perceber pessoas
(Limitações muitas)
Negligenciar afetos
Natureza de excessos - de companhia e de solidão
Humor azedo por motivos mesquinhos
Ir atender xingando telefone que berra
E ligações com mais de 8 minutos
Franja espetada de sal de mar
Mulata neurastênica do litoral

(E vou dormir, que já são horas.)

18.9.06

Olhos de gueixa

Eu tinha 14 anos quando estava na festa de aniversário de um amigo e o avô dele, muito docemente, me lançou um olhar curioso e disse: “Você tem olhos de gueixa.” Não me esqueço daquela cena. Na época, muito menina, não consegui entender o que ele quis dizer com aquilo. Atribuí o comentário aos meus olhinhos amendoados, e só.

Lugar comum dizer que gueixas são mulheres especiais. Doces e dedicadas, vivem para dar atenção aos homens, enfeitando os salões de chá com sua graça meticulosamente conquistada, tocando instrumentos, apresentando-se em espetáculos de dança e conversando sobre assuntos agradáveis. Dizer que sua atividade é um trabalho seria pouquíssimo justo. Ser gueixa, eu penso, é uma espécie de sacerdócio. Assim como os monges e as freiras, essas mulheres abdicam do casamento e da família nos moldes tradicionais para dedicarem-se exclusivamente ao cultivo da beleza, das artes e da delicadeza, que atraem as atenções do universo masculino.

Corriqueiramente, nós, do suposto alto da “civilização ocidental”, lançamos sobre as gueixas o olhar semelhante ao que dedicamos, em nossas esquinas, às prostitutas. Ledo engano: falamos de dois universos completamente diferentes. As relações de uma gueixa com seus clientes, na maioria das vezes, não engloba o ato sexual, embora ela tenha toda a liberdade para ter um amante, comumente chamado de danna. É ele que irá “patrocinar” a gueixa, contribuindo ao oki-ya a que ela pertence e à própria, que usará os recursos para os custos altos de sua profissão, entre eles o dos kimonos de seda, caríssimos. Se, da relação com o danna, nascer um filho, ele deverá arcar com os custos da criança, mas não com as demais responsabilidades paternas. É neste ponto que podemos vislumbrar melhor a riqueza deste universo essencialmente feminino: uma vez grávida, a torcida no oki-ya é para que, daquela gestação, nasça uma menina, que possa dar continuidade à linhagem de gueixas. Um menino certamente terá destino menos glamouroso, trabalhando em alguma função auxiliar no oki-ya.

Para essas moças à la personagem de seriado americano, gritar para os quatro cantos que é um absurdo ainda existirem no mundo mulheres que se “sujeitam” a viver uma vida inteira exclusivamente dedicada ao cultivo da beleza, das conversas amenas e da arte para os olhos masculinos é fácil, fácil. Difícil é voltar-se para o próprio umbigo e se dar conta de que não faz algo muito diferente disso. Quando eu era novinha, minha mãe assinava uma dessas revistas de moças adultas para eu ler. Não sei se ela se confundiu, pensando que era pra adolescente, ou se queria que eu visse o que me esperava fora de casa, quando fosse o momento de ir. Todos os meses, eu via os mesmos temas se repetirem: como conquistar um marido através da boa mesa, de uma romântica viagem, de belas músicas no CD Player, de um corpo perfeito, de sexo bem feito e das melhores roupas, cabelos e maquiagem. Na maior parte das vezes, o objetivo era implícito; noutras ele estava ali, subjacente. Até estar bem consigo mesma, através de shiatsu, terapia, yoga, orgasmos, massagem, tinha em última instância o objetivo de sentir-se melhor e – como não? – atrair o sexo oposto. Ah, quanta liberdade... não sabia que para isso foram esturricados tantos soutiens em praça pública.

Tive a sorte de nascer e crescer num lar nada machista. Ok: sorte por um lado, porque esse regime tem alguns efeitos colaterais, como os seus pais terem alguma dificuldade de entender algumas escolhas de “mocinha” que você eventualmente possa fazer. Mas nada de irremediável, devo dizer. Como nunca precisei brigar muito pela altura da saia, o tamanho do biquíni e o horário de chegar, acabei ficando suficientemente livre para admitir vestidos longos, maiôs e vontade de ficar em casa. Dia desses, por exemplo, perguntei para uma amiga se ela me acharia menos livre, caso eu me casasse com um muçulmano e passasse o resto da vida cobrindo o corpo e os cabelos. Ela não respondeu.

Sinceramente, não acredito haver problemas em querer agradar gratuitamente a quem se ama, contanto que isso não signifique uma auto-agressão, uma supressão de desejos e vontades. Fazer uma comidinha, baixar os olhos de pejo, ser delicada e atenciosa – oras, o que há de mal? Isso não faz de nenhuma mulher escrava de um homem. A escravidão vem de algo muito triste, que é a obrigação de enxergar-se menor perante o sexo oposto – coisa que uma gueixa, apesar de agradar e divertir, não faz mesmo. Qual a diferença entre os semanários para “jovens senhoras” dos anos 50, que aconselhavam as mulheres a não aporrinharem seus maridos quando eles chegassem do trabalho cansados e nervosos, e as revistas modernosas de hoje, que vivem a dar “100 dicas” para não deixar o namorado ir embora? Rigorosamente nenhuma.

Pois é: vai ver tenho mesmo olhos de gueixa...

4.8.06

De elevadores e aviões

O trauma: ficar presa sozinha entre o 30º e o 31º andar de um hotel em Miami (??!!), 10 anos, altas horas, gritando "HEEEEEELP ME", como se alguém naquela vila falasse inglês...

Quando eu era criança, tinha medo de elevador, mas adorava avião. É que eu andava mais de avião do que de elevador... morava em casa, tal e coisa. Na verdade, eu sempre vinha tensa no avião imaginando que ia chegar no Rio e entrar no elevador do Galeão primeiro, e depois no elevador do prédio da minha tia. O avião dando seus sacolejos de verão e eu só pensava nos elevadores, elevadores, elevadores me esperando.

O trauma: 10 horas ininterruptas num vôo infernal, pessoas se perguntando se iam morrer, vontade de fazer xixi, de comer, de beber água, adolescente pendurada na medalha de Nossa Senhora de Fátima e engastada no braço do pai.

Depois que eu fiquei velha, vim morar em prédio e deixei de notar a presença do elevador. Entro e saio dele pra chegar em casa, pra ir ao médico, ao advogado, à aula (quem conhece a Uerj sabe o que isso significa em termos de macheza). Mas avião virou problema. Hoje uso menos. Já andei até fazendo umas viagens malucas de ônibus pra sair pela tangente.

Conclusão: nada é mais patético do que ter medo de avião ou de elevador. Nada é mais engraçado do que observar o desespero das pessoas que têm medo de avião ou de elevador. Nada é mais irritante do que gente que menospreza o medo que alguns têm de avião ou de elevador. Ah, cuidem das suas vidas!

27.7.06

Réquiem para um amor

Sempre se sentira encantada pelos olhos dele. Eram miúdos, muito escuros, de brilho infantil. Olhos curiosos de quem muito queria ver; olhos de quem tencionava, a cada encontro, assoalhar por eles a alma. Alma... a alma que, talvez por inocência, ele imaginava ser descortinada pelos olhos dela.

Os olhos dela. Duas amêndoas bem feitas, matiz de mel silvestre. Desconcertantes. Hábeis em extrair verdades, e por vezes fugidios, distantes. Diziam do outro, mas quase tudo escamoteavam de si.

E foram lado a lado aqueles pares de olhos, anos a fio, entrando e saindo por vielas escuras, sorvendo manhãs nubladas, vendo amanheceres azuis tomados em empréstimo e pores-do-sol que sim, eram seus. Se sozinhos nada viam, juntos eram fanais.

Tanto aprenderam de amor, tanto se desencontraram, e ainda continuavam olhos dos olhos. Girava mundo, tanto se via, contudo eram quatro, eram dois, eram um só. Talvez assim fosse até a eternidade.

Mas a vida tem lá seus bruxedos. Num dia tolo, bestialmente ordinário, por alguns instantes detiveram-se num olhar, como muitas vezes fizeram antes. Algo diferente aconteceu, causando estremecimento. Não havia mais laivo de mistério – tudo estava posto. Os olhos dele nem eram tão infantis assim, pensou ela. E os olhos dela, agora ele via, escondiam muito pouco. Finalmente se enxergaram.

Tempos depois – meses, anos, não importa – ia ela pela rua, quando o viu sentado num banco de praça. Tão bem passara desde o desfecho, que sentia seu orgulho firmemente a salvo. Podia ser curiosa. Parou à sua frente e o olhou nos olhos. Um segundo. Dois segundos. Três segundos. Quatro segundos. A crença virou certeza: estavam vazios um do outro. Antes que ele pudesse falar, sorriu sem amargura, deu as costas e seguiu o caminho que era seu.

11.7.06

Desculpem: não sou perfeita

Acontece que a menina cresce boa aluna, matreira, e pretensiosamente madurinha.

Aí, todo mundo cria expectativa.
Vai ser executiva de multinacional.
Vai ser juíza.
Vai ser independente.
Bacaníssima, seriíssima.

Mas o tempo passa...

E a moça quer uma coisa.
Depois, quer outra.
Não quer ser executiva de multinacional.
Não quer ser juíza.
Todavia é independente - quase sempre.
Tem muitas dúvidas.
Apaixona-se, sofre, e é feliz.
Ama bandidamente o trabalho que faz.
Franze o cenho, escreve demais, ri de si mesma.
Perde minutos preciosos dando trato aos cabelos e às sobrancelhas.
Sofre de excesso de poesia nas tardes de sol.
Distrai-se com passarinho na janela.

Bacaníssima? Talvez.
Seriíssima? Possivelmente.

Mas bem livre.
Segredo e transparência - juntos.
Peito aberto pra vida.

4.7.06

A volta da mulher morena

O cansaço é grande (estou estudando, e como, e todos os dias), minha defesa vem aí (serei mestra – que simpático!), mas não quero perder o hábito de manter o meu bloguinho em pleno funcionamento. Como o caso é sério, mas não há risco de morte, deixo vocês com alguém de minha inteira confiança: Vinícius de Moraes.


A volta da mulher morena

Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando de noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e úmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios.
Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos.
Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
Traze-me para o contato casto de tuas vestes
Salva-me dos braços da mulher morena
Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
São como raízes recendendo resina fresca
São como dois silêncios que me paralisam.
Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
Livra-me do seu ventre como a campina matinal
Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
Reza para murcharem as pernas da mulher morena
Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
E está trazendo tosse má para o meu peito.
Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus últimos cantos
Dai morte cruel à mulher morena!

Rio de Janeiro, 1935

29.6.06

Meu pai, esse homem

Dilemas freudianos à parte, esse post é sobre o meu pai.

De uns tempos pra cá, há quem me dê a impressão de que uma moça amar o próprio pai, e dizer isso aos quatro ventos, é algo meio esquisito. Não entendo. Peço licença, pois, para dizer o quanto gosto do meu, tão lindo e tão doce, na semana em que completou 51 aninhos.

Ele queria muito uma menina. Quando nasci, ficou quase louco de felicidade: subiu a rua da minha vó chorando tanto que ela até se assustou. Engraçado: tanto homem sonhando com um garotão pra levar domingo ao Maracanã, e logo ele, mal-encerrada a carreira no futebol profissional, preferia uma menina. Não sei se imaginava caminho tão diverso; saí tricolor (ele é botafoguense) e inábil até pra jogar peteca.

Embora sejamos muito, mas muito diferentes, a nossa cumplicidade começou a ser construída bem cedo. De manhã, minha mãe no trabalho, ele em casa, ficávamos sós, os dois. Era uma farra. Ele colocava Simon e Garfunkel, black music e MPB sempre no volume máximo – e eu adorava. Organizado, arrumava a comidinha, escovava meus dentes, vestia meu uniforme, penteava e prendia meus cabelos curtinhos do jeito que eu queria, e lá estava comigo, pontualmente às 12:15, esperando o ônibus da escola na esquina. Dia de natação era mais confuso, porém engraçado. Mães prestimosas, com pena daquele pobre rapaz que era obrigado a entrar no vestiário infantil pra cuidar da filha (?!), se ofereciam pra me dar banho. Educadamente, ele declinava. Depois perguntam por que tantos homens são machistas...

Os anos foram passando, a rotina mudou radicalmente sei lá quantas vezes, mas o nosso elo não se desfez. Claro que a relação passou por crises, algumas bem feias, e não foram poucas as vezes em que pensei na possibilidade de sumir, desaparecer, nunca mais falar com ele, essas coisas. Trocamos farpas, discutimos aos berros. Magoada, cheguei a dizer que ele me decepcionou. Bobagem. Só tinha percebido que pai não é super-homem, e também pode ter fraquezas, ser egoísta, cometer erros. Quanto melhor.

Nunca vi problemas em falar do meu pai, até que a descrição do meu lanchinho do colégio (sanduichinhos de biscoitinhos salgadinhos Piraquê, aqueles quadradinhos, minuciosamente recheados com manteiga ou requeijão) causou forte comoção numa alma desconcertada. Fui seriamente aconselhada a não falar tais coisas para um homem com quem pretendesse ter filhos, porque ele ficaria apreensivo por saber que dificilmente seria um pai como o meu. Será que eu tinha extrapolado? Claro que não. Cada um tem lá seu jeito de ser pai. Tem aqueles que pouco vêem os filhos, mas conseguem conquistá-los a cada encontro; tem os brincalhões, que se embolam com as crianças como se fossem uma delas; tem os excessivamente sisudos, mas precisos nos momentos críticos. Enfim, o problema ronda a cabeça dos outros. Esse pique, definitivamente, não está comigo.

Claro que existem pais e pais, assim como nem todas as mães são anjos de candura. Mas, vem cá, o que há de errado em amá-los incondicionalmente? Não falo de orgulho na linha “Tradição, Família e Propriedade”, e sequer me refiro a uma figura fantasticamente idealizada. Falo de amor. Só isso. Ou tudo isso.

24.6.06

As voltas que o mundo dá...

Essa semana, recebi uma proposta de emprego que, bem comparando, foi algo como jogar um fio desencapado para içar alguém que caiu num poço. Teria de me mudar de mala e cuia do Rio para o último lugar na esfera terrestre onde deveria pensar em viver para trabalhar em algo que não amo e ganhar um salário mediano.

Vocês devem estar se perguntando: ok, se era tão ruim, por que falar disso agora? Simples: porque eu sou uma kamikaze emocional. Não posso ver o abismo ali, pertinho, pertinho, que a tentação de me jogar cresce e por pouco não me engole. Além disso, minha alma nômade faz borboletas esvoaçarem pelo abdômen toda vez que ouço a palavra "mudança". Quanto maior a distância, maior o número de borboletas.

Como nem eram tantos os quilômetros assim que separariam a vida nova da velha vida, e como essa nova vida correria o sério risco de ser bem velha nos aspectos mais modorrentos, resolvi declinar. Acho que esse foi o maior serviço que já prestei à minha sanidade física, mental, espiritual e, last but not least, profissional. Cá estou, quietinha.

Só um detalhe: gente cismada como eu, que não consegue ver a vida como um conjunto de acontecimentos aleatórios que nenhuma harmonia guardam entre si, não é capaz de passar por cima de um acontecimento desses sem alguma reflexão. O primeiro movimento é acreditar que o destino está soprando naquela direção, e o certo é simplesmente abandonar-se ao sabor das marés. Mas tudo muda quando, bem calcados os dois pés no chão, damos-nos conta de que está em xeque algo tão frágil, mas tão definitivamente imprescindível, quanto a mínima felicidade necessária para sobreviver. Talvez seja uma força maior pondo a prova nossa capacidade de resistir à mudança efêmera e de buscar a paz e a realização verdadeiras. Talvez seja o momento de fazer a escolha irreversível pela vocação para a alegria de viver. Maktub.

(P.S.: admirador secreto... isso não é coisa que se faça com a minha curiosidade infantil!)

19.6.06

Hoje já é amanhã

Lá vou eu cair em lugar-comum, mas azeite: tem situações na vida que fazem a gente mudar mesmo, e sempre acontecem tão rápido, mas tão rápido, que quando reparamos, já foi, já era, acordamos diferentes.

Pessoas queridas andam precisando de mim, e estou sendo prestimosa. Nos últimos quinze dias já fiz mais panelas de arroz (sempre soltinho) do que em toda a minha vida, organizei horários, pus adolescente pra estudar e dormir, preparei lanche, almoço e jantar, ajudei doente a se calçar e se vestir, etc. Virei temporariamente uma faz-tudo, mas nada que me mate ou me tire do prumo. Se ando preguiçosa pra algumas coisas, como sentar e estudar, tem algumas outras, sempre complicadas pra mim, que estou tocando com uma tranqüilidade incrível. É aquela velha história: uns probleminhas reais na hora certa servem pra dar o estalo de que pode se estar valorizando frivolidades.

Besteira o que escrevi. Nada a ver com frivolidade.

Encarar certos acontecimentos de modo natural não quer dizer que eles sejam tolices. É só uma maneira mais saudável de partir pra recuperação, não ser sucumbido pela tristeza, desfrutar o momento, ou simplesmente viver mais feliz. Fútil não é o fato, mas sim a dimensão que damos a ele... a tentação de encarnar personagem de samba canção é grande, e como.

Meia-noite e meia de segunda-feira. Hoje já é amanhã, e amanhã é o dia internacional da nova vida, do começar de novo, das promessas renovadas. Eu tenho cá uma bolsinha cheia delas...

18.6.06

Do afastamento, da perda, do amor, eu mesma.

No dia em que nasci, mataram uma secretária da OAB num atentado terrorista. Chovia muito no Rio de Janeiro, o trânsito complicou e nosso Fusquinha ficou preso no Rebouças. Quase que atrasa a cesariana. Um ano e pouco antes, noutro dia de chuva e engarrafamento, teve gente que não conseguiu chegar a tempo no casamento dos meus pais. No final das contas, deu tudo certo.

Daí que acredito em destino. Acho que já chegamos aqui com tudo mais ou menos acertado, a historinha pronta, e um pouco – só um pouco – de livre arbítrio. E é por isso que não tenho muito medo de me jogar, de pisar na bola, de voltar atrás, de errar o mesmo erro mil vezes.

Com sete anos tive os primeiros baques afetivos, do afastamento e da perda, e deu-se que cresci em algumas cidades, sempre muito sabida e um bocado melancólica. Às vezes, justifico todo o meu desembaraço de morar só porque vivo assim desde cedo, filha única, sem parentes por perto, pais saindo bem cedo e chegando bem tarde. No tempo enorme que tive comigo mesma, aprendi algumas coisas valiosas, como ouvir música boa e ler de tudo que entrava pela porta de casa, e outras, péssimas: ver mais televisão do que devia, fazer experiências com velas e fósforos quando faltava luz, passar horas e horas no mais perfeito ócio e pensar demais em mim.

A quem interessar possa, tirando a pirotecnia, todo o resto permanece.

Embora haja controvérsias, eu já tive 15, 18 e 20 anos. Vivi os três momentos lá do meu jeito, meio atrapalhado, um pouco perturbado, mas vivi sim, e de teimosa que sou, fui feliz. Claro que faltou uma ou outra coisa; nada que seja irremediável.

Já desejei mal a quem me feriu, já amei tanto que quase explodi, já freqüentei academia regularmente, já despertei paixões de onde menos se imagina, já fui muito e nada religiosa e, até onde me lembro, já contei algumas mentiras. (Algumas? Mentira.)

Virginiana tranca-rua, ascendente criticamente em Capricórnio, é a minha lua em Peixes que segura a barra e me permite um relacionamento mais doce com aquilo que não é palpável. Confesso que a cada dia que passa gosto mais dessa lua, e a cada dia que passa gosto mais de ser exatamente assim: eu mesma.