Como sabe quem me conhece mais de perto, vivi no Rio até os 7 anos, quando me mudei para só voltar a morar aqui quando cheguei à universidade. Durante a longa ausência, guardava pela cidade um misto de carinho e medo. Nas minhas primeiras férias de meio de ano desde a mudança pra Maceió, arrombaram o carro do meu tio na Tijuca e levaram toda a minha bagagem. Para quem morava num lugar conhecido como “Paraíso das Águas”, minha reação foi típica: quis pegar o primeiro avião e voltar pra Praia da Jatiúca. Desfaçatez do destino, essa semana a capital alagoana foi cenário de um crime semelhante ao que vitimou fatalmente o menino João Hélio no subúrbio carioca. Vinte anos, meus caros, não são vinte dias.
Quando finalmente tornei a casa, precisei redescobrir o Rio. Queria sentir a cidade de dentro pra fora, e não de fora pra dentro. O idílio dos exilados não é bom conselheiro; vela a visão tanto quanto o preconceito dos xenófobos. E foi enredada pela liberdade da vida universitária que vivi meu novo-primeiro outono carioca, um outono assaz atípico, cheio de nuvens no céu, novos amigos e longas caminhadas entre os campi da UFF. Se houve uma nesga de céu azul em 1999, não vi.
Dez outonos depois, já tenho minha história particular da estação em que o Rio se torna uma cidade ainda mais bela do que já é o ano inteiro. O outono carioca, forasteiros, é algo. Ainda hoje, a sua chegada é quase sempre surpreendente pra mim. Após mais uma madrugada abafada em meio aos temporais assombrosos de março, o dia amanhece lindo e civilizadamente fresco. Você se dá conta de que pode tomar banho e se vestir para ir trabalhar com o ar condicionado desligado, o que é um luxo para quem acaba de sair do verão austral. O clima agradável e a irradiação solar suave permitem que se escolha o figurino que quiser, e aquele vestido de laise amarela pula da gaveta para as suas mãos. Os cabelos das mulheres podem ficar soltos (o suor não vai escorrer pescoço abaixo) e os homens parecem sensivelmente mais belos e leves no Centro nervoso da cidade: envergar um terno, com essa brisa, é outra história. Até o secular mau cheiro da Rua da Quitanda dá uma colher de chá aos nossos narizes.
Em meio a tanta beleza, o outono carioca deve ser uma época propícia ao amor. Cantou o gorducho Ed Motta, por volta de 2001: “Há um lugar para ser feliz/ Além de abril em Paris/ Outono no Rio”. Sobre a primavera parisiense, não tenho opinião a emitir - conheci a cidade num inverno de ventos cortantes que me causaram um baita crise de sinusite - mas esses três versos sempre provocaram em mim uma extrema simpatia. Meus amores de primavera foram paixões de inverno que, um dia, nasceram como despretensiosas inquietações de outono. Tempo de semeadura, nossa estação-vedete.
Neste momento, cai uma chuvinha lá fora. Apesar disso, tenho certeza de que amanhã de manhã, quando eu dobrar a esquina da praia, um pano de fundo incrivelmente azul estará emoldurando o Pão de Açúcar. Não há dia que possa começar mal, quando se vive numa cidade em feitio de espetáculo...