14.9.10

Àquele homem

Desculpe vir assim, altas horas, falar de coisa enterrada, passada. Eu não devia, e você me perdoe. Claro que eu sei que não tem volta, nem eu ia querer, creia-me. E tantas águas rolaram, tantos homens me amaram, tudo o mais. Mas tem dias que eu sonho, e vem uma dor, sabe?, dor estranha. Uma agulhada. Não, não é agulhada: é dor de cirurgia velha. Ah, você não sabe como é, óbvio. Eu explico. Incisões de bisturi cicatrizam, mas aquele lugar onde o aço afiado passou cortando nunca mais é o mesmo, e dói uma dor chata da porra quando muda o tempo. Pois é, é assim. E incomoda pacas quando eu sonho, assim como dói no inverno essa merda de corte do lado esquerdo do meu peito. Quer dizer: do lado esquerdo do meu seio esquerdo. Memória incômoda daquele nódulo, célula pequena e angustiada que cresceu, cresceu, cresceu, até que precisou ser extirpada. Ela se foi; você também. E eu que me vire com essa amargurazinha sazonal.

3 comentários:

Lamaringoni disse...

e é sempre assim, né? nunca passamos imunes às incisões da vida...

saudade de t, querida.

um beijo

Sandro Brincher disse...

Ver o comentário da Lara responde minha pergunta no Twitter. =)
Lindo texto, aliás.

Flavia C. disse...

Eita, não sei qual foi a pergunta do Twitter, mas que não passamos imunes... oh, não passamos mesmo.

Feliz que vocês gostaram, queridos! Beijos!!!