Sempre se sentira encantada pelos olhos dele. Eram miúdos, muito escuros, de brilho infantil. Olhos curiosos de quem muito queria ver; olhos de quem tencionava, a cada encontro, assoalhar por eles a alma. Alma... a alma que, talvez por inocência, ele imaginava ser descortinada pelos olhos dela.
Os olhos dela. Duas amêndoas bem feitas, matiz de mel silvestre. Desconcertantes. Hábeis em extrair verdades, e por vezes fugidios, distantes. Diziam do outro, mas quase tudo escamoteavam de si.
E foram lado a lado aqueles pares de olhos, anos a fio, entrando e saindo por vielas escuras, sorvendo manhãs nubladas, vendo amanheceres azuis tomados em empréstimo e pores-do-sol que sim, eram seus. Se sozinhos nada viam, juntos eram fanais.
Tanto aprenderam de amor, tanto se desencontraram, e ainda continuavam olhos dos olhos. Girava mundo, tanto se via, contudo eram quatro, eram dois, eram um só. Talvez assim fosse até a eternidade.
Mas a vida tem lá seus bruxedos. Num dia tolo, bestialmente ordinário, por alguns instantes detiveram-se num olhar, como muitas vezes fizeram antes. Algo diferente aconteceu, causando estremecimento. Não havia mais laivo de mistério – tudo estava posto. Os olhos dele nem eram tão infantis assim, pensou ela. E os olhos dela, agora ele via, escondiam muito pouco. Finalmente se enxergaram.
Tempos depois – meses, anos, não importa – ia ela pela rua, quando o viu sentado num banco de praça. Tão bem passara desde o desfecho, que sentia seu orgulho firmemente a salvo. Podia ser curiosa. Parou à sua frente e o olhou nos olhos. Um segundo. Dois segundos. Três segundos. Quatro segundos. A crença virou certeza: estavam vazios um do outro. Antes que ele pudesse falar, sorriu sem amargura, deu as costas e seguiu o caminho que era seu.
27.7.06
11.7.06
Desculpem: não sou perfeita
Acontece que a menina cresce boa aluna, matreira, e pretensiosamente madurinha.
Aí, todo mundo cria expectativa.
Vai ser executiva de multinacional.
Vai ser juíza.
Vai ser independente.
Bacaníssima, seriíssima.
Mas o tempo passa...
E a moça quer uma coisa.
Depois, quer outra.
Não quer ser executiva de multinacional.
Não quer ser juíza.
Todavia é independente - quase sempre.
Tem muitas dúvidas.
Apaixona-se, sofre, e é feliz.
Perde minutos preciosos dando trato aos cabelos e às sobrancelhas.
Sofre de excesso de poesia nas tardes de sol.
Distrai-se com passarinho na janela.
Bacaníssima? Talvez.
Seriíssima? Possivelmente.
Mas bem livre.
Segredo e transparência - juntos.
Peito aberto pra vida.
Aí, todo mundo cria expectativa.
Vai ser executiva de multinacional.
Vai ser juíza.
Vai ser independente.
Bacaníssima, seriíssima.
Mas o tempo passa...
E a moça quer uma coisa.
Depois, quer outra.
Não quer ser executiva de multinacional.
Não quer ser juíza.
Todavia é independente - quase sempre.
Tem muitas dúvidas.
Apaixona-se, sofre, e é feliz.
Ama bandidamente o trabalho que faz.
Franze o cenho, escreve demais, ri de si mesma.Perde minutos preciosos dando trato aos cabelos e às sobrancelhas.
Sofre de excesso de poesia nas tardes de sol.
Distrai-se com passarinho na janela.
Bacaníssima? Talvez.
Seriíssima? Possivelmente.
Mas bem livre.
Segredo e transparência - juntos.
Peito aberto pra vida.
4.7.06
A volta da mulher morena
O cansaço é grande (estou estudando, e como, e todos os dias), minha defesa vem aí (serei mestra – que simpático!), mas não quero perder o hábito de manter o meu bloguinho em pleno funcionamento. Como o caso é sério, mas não há risco de morte, deixo vocês com alguém de minha inteira confiança: Vinícius de Moraes.
A volta da mulher morena
Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando de noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e úmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios.
Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos.
Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
Traze-me para o contato casto de tuas vestes
Salva-me dos braços da mulher morena
Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
São como raízes recendendo resina fresca
São como dois silêncios que me paralisam.
Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
Livra-me do seu ventre como a campina matinal
Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
Reza para murcharem as pernas da mulher morena
Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
E está trazendo tosse má para o meu peito.
Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus últimos cantos
Dai morte cruel à mulher morena!
Rio de Janeiro, 1935
A volta da mulher morena
Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando de noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e úmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios.
Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos.
Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
Traze-me para o contato casto de tuas vestes
Salva-me dos braços da mulher morena
Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
São como raízes recendendo resina fresca
São como dois silêncios que me paralisam.
Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
Livra-me do seu ventre como a campina matinal
Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
Reza para murcharem as pernas da mulher morena
Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
E está trazendo tosse má para o meu peito.
Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus últimos cantos
Dai morte cruel à mulher morena!
Rio de Janeiro, 1935
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