13.3.07

Querelas do Brasil

Terça-feira de sol ardido no Rio de Janeiro.

Mais uma vez, cheguei com pilhas de livros pra entregar na biblioteca, e o atendente pergunta como consegui levar tantos de uma vez. É que o limite pra alunos da graduação são 2, mas os da pós podem pegar até 5. Quase oito anos depois do primeiro dia na UFF, ainda passo por universitária.

Saio da Uerj. Calça jeans, camiseta, Havaianas moderninhas, bolsa enorme, óculos escuros bacanas. No momento em que atravesso a passarela do Metrô, tenho um raro momento de reflexão otimista. A Radial Oeste passa sob os meus pés; ao lado está o Maracanã; ali atrás, o Cristo. Tenho 26 anos, acabei de fazer a inscrição nas disciplinas do doutorado e, peito cheio, penso que, se tudo correr bem, aos 30 terei conseguido o mais importante título da carreira de um intelectual. Às vezes nem eu acredito que isso está acontecendo tão cedo, apesar de todo o estudo, da passagem pelos melhores cursos de idiomas, os livros, viagens, colégios da melhor qualidade. Boa educação custa caro, e começa na primeira infância. Devo ser a mais jovem nessa turma de doutorandos.

O metrô pára na plataforma. Fugindo do calor renitente do final de verão carioca, vou ao encontro do ar condicionado; rapidamente entro e sento. De frente pra mim, cochila um homem mulato, de cabelos grisalhos, forte, bem composto, talvez um pouco envelhecido. Deve ter uns 40 e poucos anos, e parece mais pesado que cansado. Pela janela, o pano de fundo do seu sono é o Morro da Mangueira, teimando em ser idílico. Penso nos tempos em que os músicos negros não podiam entrar nas rádios, e vendiam seus sambas por qualquer preço aos compositores e cantores brancos. Lembro que Cartola, já poeta de meia-idade com diversas canções gravadas, foi encontrado lavando carros na Zona Sul, no início dos anos 60. Num átimo, retorno ao homem, que dorme profundamente, e percebo que a sua camisa cinza-mescla traz uma estampa da rede pública de ensino. Aluno uniformizado de nível fundamental.

Do lado de fora, o sol estala na lataria dos trens. O fim de tarde arde. No Estácio, salto do vagão e o homem continua lá, dormindo. Talvez perca a aula.

Um comentário:

Olhando o abismo... disse...

Parabéns, futura doutora, meus sinceros votos de muita, muita felicidade.