13.3.10

A Confusão de Gêneros


Estranhe quem quiser estranhar, mas o fato é que eu não tenho mais televisão. Abolir esse eletrodoméstico não foi um ato de protesto contra o mundo capitalista ocidental ou coisa que o valha. A verdade é que o aparelho pifou, eu tive preguiça de consertá-lo ou comprar um novo, os meses foram se passando... e, um belo dia, já não fazia mais a menor falta. Minha relação com a TV sempre foi assim: tendo, eu assisto; não tendo, passo muito bem, obrigada.
Se uma vida sem televisão eu tiro de letra, o mesmo não posso dizer da internet, e como as mídias estão aí, misturadas, é por blogs, sites de notícias e tweets que eu fico sabendo o que rola neste Big Brother Brasil 10. A versão tupiniquim do reality show, até onde sei, é a mais prolífica do mundo - gostamos mesmo de bisbilhotar a vida alheia pelo buraco da fechadura, ou pela grande e absoluta janela de uma TV ligada na sala de estar. Ao que parece, cada edição tem lá suas polêmicas, e a bola da vez são os conflitos de sexualidade. O grande, forte e rústico lutador seria o ápice do contraponto heterossexual aos “coloridos” homossexuais.
Pois bem: acho que não é o caso de discutir as opiniões e (im)posturas do tal lutador; suas concepções pessoais são o oposto do que penso, vivo e acredito e, creio eu, os meus amigos que por aqui passam certamente partilham de minha opinião. O que me choca, na verdade, não é o Brasil tacanha que elegeu o rapaz como porta-voz, mas sim o modo como a opinião pública e os próprios participantes reagem à confusão de gêneros que veio à tona.
Tudo começou com a moça que disse ao mocinho com quem “ficava” que o achava “com jeito de gay”. Depois, a menina lésbica flerta com a tal moça e o jovem rapazinho afeminado (que alma leve e livre esse menino tem!) entra em jogo romântico com uma bela loirinha, alguns anos mais velha que ele. Por último, descobre-se o ensaio fotográfico de um dos másculos participantes para uma revista gay.
Uau. Será que estávamos preparados pra isso? Parece que não. A cada um desses acontecimentos, seguiram-se lágrimas, mágoa e centenas de chacotas no mundo virtual. As “piadas” vão desde um grosseiro “esses gays sabem cozinhar, mas não sabem comer” (como se o vaticinador conhecesse de cor e salteado a alcova alheia) até um suposto “bigode” da moça homossexual. É tanto clichê, tanto lugar-comum, que chega a ser risível.
Que desperdício de oportunidade! Nesta edição do BBB, nos é dada a chance de entender algo que não é de hoje está plantando à frente de nossos narizes: somos todos seres humanos, passíveis de amar e desamar qualquer um a qualquer tempo. Além disso, e ao contrário do que muitos acreditam, essa variedade de gêneros, essa oscilação de desejos e vontades não é um exotismo. Gente comum também é assim! A necessidade de ostentar rótulos é o que leva as pessoas a se guardarem - e, principalmente, a guardarem os outros - em caixinhas estanques. Homens gays não podem sentir atração por mulheres; se isso acontece, ou estão “confusos” ou são garanhões em pele de cordeiro. Mulheres hetero que se aproximam romanticamente de gays o fazem atraídas pelo “desafio” de “torná-los homens” ou estão sendo “enganadas” por alguém que quer “brincar” com seus sentimentos. Homens heteros não podem dançar sensualmente; se isso acontece, é claro que são gays. Lésbicas não podem tentar seduzir não-lésbicas, pois isso seria uma “falta de respeito”. Homem que é homem não faz foto pra revista de viado. Meu Deus, que chatice!
Quando vejo tudo isso acontecendo num zum zum zum vicioso, sem que nada de bom brote e sirva de legado, sinto uma imensa frustração. Acho que já poderíamos ter passado deste ponto de inflexão há tempos. De qualquer forma, o fato da discussão estar na rua, up to date, me dá uma certa esperança de que, um dia, os diversos tons da sexualidade humana sejam vistos por nossa sociedade como nuances naturais de uma mesma cor. Façamos figas.

* A foto é do excelente filme La Confusion des Genres, dirigido por Ilan Duran Cohen, que vi no Festival do Rio há uns 10 anos. O tema, claro, é o mesmo deste post. Aprovo e indico!

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