6.3.10

Morrer de Amor


A doutora não conseguia entender muito bem o que acontecera. A história, a princípio óbvia, que a (im)paciente lhe contava, a partir de certo ponto passara a não fazer o menor sentido. Escabriada, pediu novos exames. O resultado mostrava que, pelo menos agora, a mocetona que se postava ansiosa à sua frente estava razoavelmente sã. Com o tratamento que lhe contara ter feito (inadequado!) e todo o sofrimento de cirurgias mal-sucedidas, dores e lágrimas que lhe narrara, nada casava com nada.
Rugas de dúvida pululando na testa, ela marcou nova consulta. Queria comparar os exames atuais com aqueles outros, os antigos, do tempo em que todo o mal sucedera. Chegou o dia e lá estavam os dois diagnósticos, totalmente incompatíveis: um, alguns anos mais velho, sofrido, dorido, vermelho e triste, e o outro, recente, pintadinho de fresco, leve, impetuoso e levianamente saudável.
Mais confusa ainda a mulher de branco ficou. Não receitou remédios (devido às circunstâncias, desnecessários eram), contudo pediu um moderníssimo e ultraespecífico diagnóstico sanguíneo para dali a três meses. Ele irá ser o inceticida para a pulga que teima em viver atrás de sua orelha: afinal, essa menina tem ou não tem a tal doença?
"Não tenho" - pensou a moça do outro lado da mesa. Vaidosa, teimara por anos em não admitir a verdade que ela - e só ela - conhecia. Agora que estava prestes a ser desmascarada, tudo parecia tão claro que sabia não ter mais o direito de se esconder atrás de laudos e sintomas. O mal que lhe acometera - ah, e como sofreu! - fora mesmo de amor. Naquela feita, ele fora em sua vida um daqueles males duros, crônicos, que consomem carne e espírito ao longos dos anos, até que não sobre quase nada além de um corpo esgazeado, fatigado de dor e tristeza. Dessa moléstia, por pouco não pereceu. Se seu sofrimento não devia ser motivo de vergonha, tampouco de orgulho, que servisse, ao menos, de lição.

(E creiam - serviu.)

2 comentários:

Lamaringoni disse...

e quem não sofre desse mal, não é mesmo? o bom é saber que, se não há cura, pelo menos há esperança de que os sintomas sejam brandos, e até benéficos, enquanto durem...

beijo, querida!

Fabiana disse...

A cura deste mal é remédio caseiro: 1 dose de travesseiro, 2 gotas de lágrimas, 5 barras de chocolate, filminho 2x ao dia e logo depois um BASTA.