Por que algumas pessoas parecem tão bonitas quando a gente gosta delas e, depois que deixamos de gostar, nem parecem tão belas assim?
Por que, a cada ano que passa, fica tão mais fácil engordar e tão mais difícil emagrecer?
Por que cada pessoa que conhecemos faz uma leitura tão singular da nossa personalidade? Isso parte da gente ou parte deles?
Por que minha própria companhia quase sempre é tão agradável, mas ultimamente anda me dando sono?
Por que há fases em que viver parece cansar mais do que o normal?
18.4.10
9.4.10
Um morto
Depois de algumas noites mal dormidas, naquela manhã acordara de um sono angelical, gozado sem aditivos químicos. Era um dia chuvoso e tristonho de outono, e saiu mais cedo do trabalho. Se havia sido liberada na hora do almoço, presume-se, deveria estar feliz, pois a felicidade nesses casos parece ser compulsória. No entanto, para ela, que conhecia como a palma da mão cada metro quadrado de mosaico português da cidade, mudanças de rotina como essa tinham outro significado. Atirar-se às ruas do Centro em dias como aquele lhe trazia o risco de ser tragada pelo buraco negro de sua própria história. Uma coisa era passar por ali indo e voltando da labuta; outra bem diferente era ficar ao sabor da vadiagem. A tentação de reviver, mesmo que por algumas horas, os tempos em que fora uma jovilíssima flâneuse, estava sempre rondando. O penhor de se deixar enredar costumava ser pesaroso.
Tentando salvaguardar os hábitos diários, foi comer o sanduíche de costume no restaurante de costume. Sentou-se onde sempre se sentava, naquela partezinha da frente, com vista para a rua, pequena e com pouco falatório; cada vez tinha menos paciência com gente, embora conseguisse disfarçar bem, muito bem. Para complementar o lanche-almoço, pediu uma diminuta tigelinha de creme de feijão, que começou a tomar com gosto. "Temperinho bom, bastante alho", pensou. Ao cortar o pãozinho pra molhar no acepipe, ergueu a cabeça rapidamente e mirou a calçada através do vidro. Foi o tempo preciso para ver seu passado passar. É, tal qual na música dos Paralamas, e ela que nem gostava de rock...
Era um morto que andava e olhava para dentro do restaurante. Ela reconhecia o corpo e a mortalha vermelha. Num gesto rápido, mais instintivo que calculado, fixou-se na imagem o tempo suficiente para ter certeza de quem era, cuidando para desviar o olhar a tempo de não ser notada. Sabia como poderia ser desconcertante, para alguém com nervos de manteiga, sangue nas veias e coração pulsante, ser percebida por quem não habita mais este mundo - o seu mundo. Numa fração de segundos torceu para que ele não se animasse a entrar ali, tornando o infeliz reencontro inevitável. Ah, foi embora. Alívio! Mas ainda ficara atordoada pela visão fantasmagórica, a ponto de dispender um par de minutos ao telefone com uma boa amiga. Vi um morto, disse. Sua fealdade me assombrou.
Passado o susto e uma leve rebordosa, fez o circuitinho dos velhos tempos. Entediada, percebeu que algumas cores da cidade esmaeceram diante de seus olhos semi-balzacos. Cansou-se. Felizmente, o mesmo tempo que trouxera à sua vida menos disposição para andar até o metrô trouxe também dinheiro suficiente para o taxi. Pela janela, na altura da Central do Brasil, o sol entrava desbragadamente, incomandando a vista, a despeito da chuva renitente. Agora, já estava bem mais perto de casa.
3.4.10
Um exercício
Eu sou impaciente e desesperada.
Tá, disso todo mundo já sabe.
É que eu não sou assim sempre - digo, nas condições normais de temperatura e pressão. Se minha vida estiver virginianamente organizada, do modo como eu gosto, fico calma, calma, calma. Agora, coloque uma bagunça, uma indecisão, um vai-não-vai, e você verá a pessoa mais rabugenta, chata e ansiosa do mundo em ação. Um dos motivos que me fizeram escolher prestar concursos, além da minha paixão pela administração pública (e isso não é sarcasmo, caso não dê pra notar), é a estabilidade. ESTABILIDADE! Horários, salário certo, mudanças de rotina e emprego que dependem única e exclusivamente DE MIM, e não da boa vontade e simpatia de ninguém.
E assim foi por um bom tempo... até acontecer meu novo emprego. É público, paga melhor que o anterior, mas está me matando. Há uma semana sentei praça na nova autarquia e, até agora, já "morei" em três cidades diferentes e "exerci" pelo menos umas três funções. Na prática, foram os quatro dias mais improdutivos que já vivi. À espera de que a administração decida o que fazer comigo e com os outros convocados, passei dias sentada numa sala de reunião numa dinâmica de convivência à la Big Brother. Demos todos aqueles passos clássicos: cumprimentar-se, contar da própria vida, observar, fazer fofoca, confabular planos estratégicos e, por fim, entrar na decadência total, que é falar mal dos outros.
Estou exausta. Desde segunda que mal como e durmo bem mais ou menos. A cada dia é uma nova apreensão, uma ardência mais ardida na boca do estômago. Já chorei, sorri, esperneei e me virei do avesso de raiva. E de nada adiantou, claro. Na ilusão de ser cada vez mais dona da minha vida, perdi totalmente o controle sobre o meu destino. Que merda.
Mas o lance, meus amigos, é aproveitar essa liçãozinha que o mundo parece querer me dar. Não há nada a fazer, a não ser aprender (ou pelo menos tentar) a ser um bocadinho paciente e tranquila, já que nem tudo está ao alcance imediato das minhas mãos. Duvido muito que eu consiga, mas juro que continuarei tentando. Só espero não pirar de vez até o final dessa odisseia.
Tá, disso todo mundo já sabe.
É que eu não sou assim sempre - digo, nas condições normais de temperatura e pressão. Se minha vida estiver virginianamente organizada, do modo como eu gosto, fico calma, calma, calma. Agora, coloque uma bagunça, uma indecisão, um vai-não-vai, e você verá a pessoa mais rabugenta, chata e ansiosa do mundo em ação. Um dos motivos que me fizeram escolher prestar concursos, além da minha paixão pela administração pública (e isso não é sarcasmo, caso não dê pra notar), é a estabilidade. ESTABILIDADE! Horários, salário certo, mudanças de rotina e emprego que dependem única e exclusivamente DE MIM, e não da boa vontade e simpatia de ninguém.
E assim foi por um bom tempo... até acontecer meu novo emprego. É público, paga melhor que o anterior, mas está me matando. Há uma semana sentei praça na nova autarquia e, até agora, já "morei" em três cidades diferentes e "exerci" pelo menos umas três funções. Na prática, foram os quatro dias mais improdutivos que já vivi. À espera de que a administração decida o que fazer comigo e com os outros convocados, passei dias sentada numa sala de reunião numa dinâmica de convivência à la Big Brother. Demos todos aqueles passos clássicos: cumprimentar-se, contar da própria vida, observar, fazer fofoca, confabular planos estratégicos e, por fim, entrar na decadência total, que é falar mal dos outros.
Estou exausta. Desde segunda que mal como e durmo bem mais ou menos. A cada dia é uma nova apreensão, uma ardência mais ardida na boca do estômago. Já chorei, sorri, esperneei e me virei do avesso de raiva. E de nada adiantou, claro. Na ilusão de ser cada vez mais dona da minha vida, perdi totalmente o controle sobre o meu destino. Que merda.
Mas o lance, meus amigos, é aproveitar essa liçãozinha que o mundo parece querer me dar. Não há nada a fazer, a não ser aprender (ou pelo menos tentar) a ser um bocadinho paciente e tranquila, já que nem tudo está ao alcance imediato das minhas mãos. Duvido muito que eu consiga, mas juro que continuarei tentando. Só espero não pirar de vez até o final dessa odisseia.
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